domingo, 27 de junho de 2010

“Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa: a pegada na areia indica passagem de um tigre; o pântano anuncia uma veia de água; a flor o hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo intercambiável – árvores e pedras são apenas aquilo que são.
Finalmente, a viagem conduz à cidade... penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas: o troques indica a casa do tira-dentes; o jarro, a taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e escudos reproduzem imagens de leões, delfins, torres, estrelas: símbolo de que alguma coisa – sabe-se lá o quê – tem como símbolo um leão ou delfim ou torre ou estrela. Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar – entrar na viela com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte – e aquilo que é permitido – dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes (...) Se um edifício não contém nenhuma insígma ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda, a escola, o bordel. Mesmo as mercadorias que vendedores expõem em suas bancas valem não por si próprias mas como símbolos de outras coisas: a tira bordada para a testa significa elegância; a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar...”.
(Calvino,1999, pp.17/18 )

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